Este espaço é para ser compartilhado entre aqueles que acreditam que incluir é respeitar o outro e a si mesmo, contribuindo para a construção de uma sociedade justa e plena! "Este espacio es para ser compartido por quienes creen que incluir y respetar a otros o a así mismos, contribuye a construir una sociedad más justa y plena" Prof. Saulo C Silva

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Sem cerca de arame farpado

Autoria: Teresa da Costa D´Amaral

Não estamos em guerra. Nem mesmo procuramos esconder com cerca de arame farpado. Mas o Brasil tem seu próprio campo de concentração. Mantemos entre nós aproximadamente dois milhões de brasileiros deficientes sobrevivendo sem nenhuma possibilidade de acesso à saúde, educação, à reabilitação.
A Organização das Nações Unidas calcula que a população deficiente em países com as características sócio-econômicas do Brasil é 10% da população global. Assim, cerca de 15 milhões de brasileiros portam algum tipo de deficiência, mental, física ou senrorial. Nem estatísticas oficiais temos. E se juntarmos a esse número os estudos que dizem que 12% da população vivem com até meio salário-mínimo, teremos em torno de dois milhões de deficientes sobrevivendo com essa renda familiar.
A Nação brasileira mantém cerca de dois milhões de brasileiros presos em suas deficiências, sem as mínimas condições de respeito ao ser humano. Cegos sem bengalas, amputados sem muletas, paraplégicos sem cadeiras de rodas, surdos sem comunicação, deficientes mentais isolados, todos vivendo no fundo do nosso quintal, no nosso quarto dos fundos, como se o mundo já não vivesse as grandes perspectivas de integração do deficiente.
Temos um grande campo de concentração escondido na inconsciência generalizada e não nos devemos contentar com uma lista de Schindler pessoal. É preciso ganhar a guerra. É preciso denunciar que o campo existe e que só poderemos viver uma democracia quando a guerra for vencida, quando. houver em nosso país consciência da existência de 15 milhões de brasileiros portadores de deficiência com os mesmos direitos e deveres de todos nós.
Antes de qualquer avanço nesse campo, uma posição importante a ser conquistada é a transformação do que hoje muitos acreditam ser um problema menor, um problema do outro, em uma preocupação da sociedade. As minorias estão encontrando seu espaço entre as reivindicações de cidadania e é preciso fazer reconhecer a questão do deficiente como uma questão social. Porque ela é mais do que um, problema de educação especial, de reabilitação física ou profissional, de inserção no mercado de trabalho. É mais do que a atitude de discriminação e preconceito que grande parte dos deficientes sente diariamente. A questão da deficiência em nosso país é uma questão de democracia e direitos, é uma questão de cidadania, é uma questão social.
Ainda reivindicamos ser uma questão social. Precisamos que descubram nosso campo de concentração.
A situação limite do deficiente, onde a complexidade dos problemas sociais se concentra ao máximo, pode mostrar suas características eminentemente sociais. A construção da cidadania do deficiente é uma batalha quotidiana, o acesso aos direitos civis, políticos, sociais e coletivos, direito a saúde, educação, trabalho, cultura, lazer, é uma exacerbação das dificuldades dos outros cidadãos.
Conquistas de direitos, responsabilidades do Estado, papel da sociedade, intervenção com resultados a longo prazo são pontos cruciais da questão do deficiente, problemas comuns na nossa democracia por construir, mas acrescentemos a eles o preconceito, a discriminação, a marginalização e podemos perceber que e a compreensão do relacionamento entre diferença e igualdade, ponto primordial da questão da deficiência, é também chave na construção da democracia.
Porque o que o deficiente quer é o direito à igualdade. Não o direito de ser igual, mas a possibilidade de, sendo diferente, ter acesso aos mesmos direitos. Ter respeitada sua diversidade, o conteúdo da sua competência e não a medida da sua eficiência, ter a marca do humano sobressaindo como possibilidade de sua diversidade.
Diariamente o deficiente tem desrespeitados seus direitos básicos. Construí-los no entanto é simples. Não são necessários nem bilhões de dólares de investimento, nem inovações tecnológicas difíceis de alcançar, nem grandes obras, nem mesmo reformas profundas ou legislações básicas. É preciso vencer a barreira do preconceito e do desconhecimento. O direito às compensações vem sendo construído nos países do Primeiro Mundo. O princípio de integração que prega a possibilidade e o direito de o deficiente viver inserido em nossa sociedade é um facilitador na medida que repudia qualquer forma de excepcionalidade, tanto aquela que se grega mantendo o deficiente longe quanto aquela que superprotege tendo o deficiente diferente. A integração, impondo a todos nos o desafio do convívio dos diferentes, permite construir os mecanismos da igualdade através da educação especial da reabilitação, das complementações tecnológicas, da formação e inserção profissional adequadas, do esporte adaptado e inventa formas de ir descobrindo a democracia e a igualdade.
Existe um conluio secreto entre sociedade e Estado em nosso país em relação à questão do deficiente.
Esse acordo começa com a manutenção do assistencialismo e do paternalismo, passa pelas falsas políticas de participação e se completa quando entende a deficiência e aceita a cidadania incompleta dos diferentes.
É preciso romper essa barreira, vencer essa batalha, desenvolver um estratégia para ganhar a guerra. Neste fim de século só existe uma grande batalha para os que estão envolvidos com a questão em nosso país: a conscientização do Estado e da Sociedade. E pode existir um grande aliado: a informação.
Os centros de produção de conhecimento, em especial a universidade como produtora e disseminadora de saber, podem ser a base para a construção dessa aliança. Mas são os meio de comunicação, divulgadores de conhecimento e formadores de opinião, que definição a nossa vitória. Só com um novo pacto, com o engajamento dos formadores de opinião, poderemos construir uma nova consciência sobre a deficiência.
É preciso fazer conhecida a questão social da pessoa portadora de decifiência, é preciso produzir e fazer circular informações, mobilizar comunidades, chamar à participação, construir políticas públicas.
Em nosso país reivindicamos ainda cidadania. Ainda temos campos de concentração a serem abertos. A democracia precisa ser construída. E o deficiente deve fazer parte dessa construção.
TEREZA COSTA D`AMARAL
Presidente do Instituto Brasileiro de Defesa dos
Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência e
Membro do Grupo de Defesa da Criança.

http://www.rebidia.org.br/gdc/aramefar.html

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