Este espaço é para ser compartilhado entre aqueles que acreditam que incluir é respeitar o outro e a si mesmo, contribuindo para a construção de uma sociedade justa e plena! "Este espacio es para ser compartido por quienes creen que incluir y respetar a otros o a así mismos, contribuye a construir una sociedad más justa y plena" Prof. Saulo C Silva

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O que pensa o aluno deficiente visual sobre acessibilidade na universidade

Amigos,

Sabe-se que o MEC tem exigido das universidades uma política de inclusão das pessoas com necessidades especiais. Essa exigência foi regulmentada pela Portaria Normativa n. 14, de 24 de abril de 2007.
Parece que algumas universidades, do ensino privado, ainda não se adequaram a essa nova norma e os alunos continuam encontrando uma série de obstáculos.
Gostaria que você desse sua opinião sobre este assunto.
Abaixo transcrevo, com a autorização da autora, um depoimento (desabafo) a respeito das dificuldades encontradas por uma aluna universitária de Instituição Privada, no Estado de Minas Gerais.

Um abraço a todos

Saulo C Silva

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O campus da faculdade em que estudo é composto por 3 prédiosbasicamente. Os prédios não são interligados e aí já surge a primeiradificuldade: deslocar-me de um prédio para o outro quando necessário.Não há locais adequados para esta travessia e dependo da boa vontade decolegas que por ali também trafegam. O curso de Matemática está situadono mesmo prédio em que está a biblioteca. Neste prédio, temos no andartérreo a biblioteca e o laboratório de matemática; já as salas de aula,cantina e banheiros estão situados no terceiro andar e não há elevadoralgum. Os corredores do terceiro andar têm lixeiras e extintores deincêndio fixados nas paredes... vivo me esbarrando neles já que abengala não percebe estes obstáculos no chão e o impacto é quaseinevitável. Temos também o famoso orelhão de parede... como é apenas um,já decorei sua posição e não me espanco mais nele. As salas de aula sãoamplas, bem arejadas e me atendem satisfatoriamente. Os banheiros nãopossuem nenhuma forma de adaptação e andam muito mal conservadosultimamente... assim, nunca me arrisco a freqüentá-los sem o auxílio deuma colega. Os outros dois prédios têm elevadores com a devida marcação embraille nos painéis. No prédio do meio estão localizadas as coordenaçõesde curso, laboratórios de informática e biologia, tesouraria esecretaria. É complicado para mim chegar até este prédio mas, uma vezlá, consigo me direcionar bem... não porque haja cuidados especiais emrelação a nós, deficientes, mas sim porque estudei neste colégio durante12 anos e ainda tenho uma excelente memória visual de todo o complexo. O prédio principal abriga outros cursos da faculdade, uma segundacantina, uma sala de xerox, o diretório acadêmico, a capela e olaboratório de física. Neste prédio também há elevador, mas somenteum... e o prédio é gigantesco... muitas vezes é muito mais lógico,rápido e sensato usar as escadas do que procurar o elevador. Ao menos,por sorte, quase todos os ambientes que me interessam neste prédio estãolocalizados no térreo. O problema novamente é chegar lá! Meu pai me leva todos os dias à aula. O estacionamento possui vagaspara deficientes bem em frente ao prédio em que estudo. Meu pai prefereestacionar e me acompanhar até o terceiro andar pois tem medo de que umadas minhas crises de vertigem me pegue no meio das escadas. Sei bem queas vagas reservadas para deficientes destinam-se aos deficientesfísicos, o que não é meu caso. No entanto, procurei me informar e seique não há deficientes físicos naquele prédio e, somente por isso,reservo-me ao conforto de usar uma das 3 vagas por cinco minutos para quepossa subir as escadas com o apoio de meu pai. As vagas estãodevidamente marcadas mas, se as vagas laterais estiverem ocupadas, épraticamente impossível abrir as portas do carro... as vagas sãoextremamente apertadas. Ao certo, um cadeirante seria incapaz de asutilizar. Aliás, faço uso das vagas muito esporadicamente pois quasesempre estão todas elas ocupadas. O estacionamento conta sempre comvigilantes, interligados por rádios, mas eles nunca observam o devidouso das vagas. Quando me vêem subindo sozinha tentam vir me carregarpelos braços, demonstrando tremendo constrangimento por estarem as vagasocupadas. Poderia ainda me estender muito ao falar sobre a parte arquitetônicapois não citei o complexo esportivo, que é totalmente inacessível, osmuseus que existem na instituição e o herbário... mas, no dia-a-dia,relatei o essencial. Dentre os 4 laboratórios de informática, nenhum deles possui sequerum micro com programas adaptados que permitam o meu acesso. No anoletivo passado cursei a disciplina Introdução à Computação e o mesmo sófoi possível porque carregava meu leptop para todas as aulas. Asmáquinas dos laboratórios estão equipadas com o Open Office e durante asaulas desta disciplina o professor se virava em dois para poder darorientações para toda a turma lidar com o Open Office e para mim poderlidar com o Office. O professor esforçou-se ao máximo para me dar outrasatividades enquanto passava para a turma algumas atividades que ele nãovia como ser possível adaptar para mim... sentia-me como um peixe forad'água. Quando cursei as disciplinas Biologia Geral e Estágio Supervisionadode Ciências, deveríamos ter feito uso do laboratório de Biologia, domuseu de História Natural e do herbário. No entanto, estes recursos nãoforam aproveitados pelos professores... não sei se por displicência oupor não terem de se dar ao trabalho de me inserir nos ambientes. Já cursei Física I, II e III e, concomitantemente, freqüentávamossemanalmente o laboratório de Física. Os equipamentos lá não sãoadaptados e, sinceramente, nem sei como o mesmo poderia ser feito. Ostrabalhos são feitos em equipe e o professor fazia questão de, antes detodas as experiências, colocar os equipamentos em minhas mãos, explicaros detalhes do mesmo e me narrar o que sucedia durante a experimentação.Quando estudávamos mecânica, era bem mais simples pois eu podia sentircom as mãos as experiências durante sua execução... mas, quandocomeçamos a lidar com eletricidade, o melhor era me manter à distância! A instituição tem um site próprio e o mesmo é pouquíssimo útil paramim. Consigo acessar apenas o setor da biblioteca e o "aluno on line". Olink da biblioteca possibilita-me fazer pesquisas por temas, autores outítulos... além de reservas e renovações. Já a área pessoal dos alunosviabilizam que eu tenha acesso a 2ª via de boletos bancários, notaslançadas no sistema, atualização de currículo, grade de horários... masa parte mais interessante praticamente não funciona: disponibilização dematerial para download. Os professores podem disponibilizar para osalunos quaisquer materiais digitalizados que queiram, mas raramente ofazem... preferem entregar listas e mais listas de papel a seremxerocados em sala do que lançar tias materiais no site e poupar tempo edinheiro de todos os alunos e o meu trabalho de digitação! A biblioteca não conta com nenhum título em braille. Uso-afreqüentemente para buscar livros que terei de escanear posteriormenteou digitar linha a linha com o auxílio de um ledor que me atende 3 vezespor semana e custeado por mim mesma, é claro. Em sala, não há a menor preocupação ou constrangimento ementregarem-me materiais grafados à tinta... braille ou digitalizados nempensar. Quando iniciei as aulas, encontrei um corpo docente e administrativocompletamente despreparado para lidar com minha deficiência. Professoresmais bem dispostos e eu fomos nos entendendo aos poucos e aprendendo acomo lidar uns com os outros... a maioria diz que foi observando meucomportamento que conseguiu vislumbrar formas de adaptar suas aulas paramelhor me atender... alguns não se deram a este trabalho e tive, então,de correr atrás do prejuízo sozinha e com o auxílio de alguns colegas. Agrande maioria dos professores pareceu encarar-me como um desafio a sersuperado e perceberam que o meu sucesso era conseqüência do sucessodeles também. A professora Denise, que leciona Geometria Plana eEspacial, adaptou provas para que eu as fizesse no micro... detalhouminuciosamente as ilustrações, concedeu-me tempo extra e, em algumasquestões, vinha até mim e fazia questão de pegar em minhas mãos paradetalhar as figuras, receando não ter ficado bem feita a descrição naprova... tudo foi perfeito... e, definitivamente, por puro e simplesmérito dela. A instituição sequer tomou conhecimento de taisiniciativas. Tenho o hábito de gravar as aulas para poder, posteriormente,transcrevê-las em casa. Não houve resistência alguma quanto ao uso dogravador por parte da instituição e nem dos professores. Enfim, Saulo.... acho que falei pra caramba, né?! Trocando em miúdos, o problema maior é não poder contar com materialdidático adaptado e perceber que não há o menor interesse da faculdadeem mudar tal situação. Se desejar que esclareça melhor algum ponto, basta dizer. Grande abraço. Glenda

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